A televisão noticiou que foi a zebra da Copa do Brasil. Tosca notícia, ressaltando o insucesso do Botafogo, quando o correto seria exaltar o feito do Santa Cruz, que jogou melhor as duas partidas, no Recife e no Rio, e assim conseguiu seguir adiante à próxima fase. Muitos comentaristas, porém, foram mais justos em suas análises, inclusive aqui no Gol de Letras. O Botafogo, que talvez tenha entrado de salto alto no Engenhão, dando como certa a vitória (ou o empate, que lhe garantiria a classificação), foi surpreendido pela competência e pela disposição do jovem time tricolor pernambucano, comandado por um treinador competente, também muito jovem, sendo agora revelado para o Brasil, o Dado Cavalcanti.
Para a torcida imensa, foi uma vitória emblemática. Por isso, a eufórica recepção ao time no Aeroporto dos Guararapes. Trata-se, como todos confiam e apostam, no início da redenção do Santa Cruz, um gigante que andou cambaleante entre sucessivas quedas, desde a última ascensão à série A, em 2005. Emblemática porque nos remete a uma outra vitória, sobre o mesmo Botafogo, no longínquo ano de 1919. No Recife, para onde veio em excursão, o valoroso time carioca perdeu (pelo mesmo placar do jogo no Engenhão, 3 a 2) para o Santa, que contava apenas quatro anos de idade. E foi a primeira vitória de um clube do Nordeste sobre um time do eixo Sul-Sudeste, conforme registra o livro História do Futebol em Pernambuco, de Givanildo Alves (Ed. Bagaço, 2ª edição, 1998). O clube nascido no calor das ruas, fundado por um grupo de estudantes no pátio da Igreja de Santa Cruz, no bairro da Boa Vista, começava a angariar a simpatia das grandes massas populares, justamente por suas origens humildes, e ainda mais pelos feitos heróicos de sua história.
Interessante saber que passaram 15 anos até que o Santa Cruz conquistasse seu primeiro título, já contando então com a preferência da maioria da população pernambucana. Ao longo de suas história, alguns hiatos de jejum se repetiram, em períodos menores, mas sempre servindo para reforçar ainda mais a paixão popular pelo chamado “clube da poeira”. Foi assim que, em 1934, quando bateu a Seleção Brasileira em jogo amistoso, no Recife, a cidade parou, porque era carnaval tricolor na Capital do Frevo e em todo Pernambuco.
Evoco esses lances da história para dar uma medida da responsabilidade de quem está agora à frente do clube, diretoria, comissão técnica e atletas. Após o período áureo do clube, nos anos 70, quando passou a ser conhecido como Terror do Nordeste, consagrado na canção de Capiba, foram anos de absolutos desmandos, administrações desastrosas e utilização do clube como trampolim para a política partidária, as dependências do Arruda quase transformadas em comitês extraoficiais de candidatos a vereador, aves de rapina de olho nesse patrimônio humano, que é a sua inigualável torcida. Agravada pela imensa e criminosa desigualdade que perpetua as injustiças no futebol brasileiro, onde a incompetência oficial fez criar-se uma excrescência chamada Clube dos 13, a situação do Santa Cruz agravou-se bastante nesses últimos quatro anos, e infelizmente é um exemplo do que acontece com outros clubes, Brasil afora.
O recomeço passou pela reestruturação do Estádio José do Rego Maciel, o Arruda, encampada pela atual diretoria. Somente agora, ao que tudo indica, começam a ser colhidos os primeiros frutos do trabalho de reestruturação do futebol, que é um trabalho longo, e não é fácil. Não fosse a torcida que tem, talvez o clube sucumbisse. Mas isso jamais acontecerá, porque o Santa Cruz, que é a cara do povão pernambucano, é sinônimo de resistência, traduzida perfeitamente num cartaz que outro dia vi na parede de um boteco, no centro do Recife, numa frase encimando o distintivo do clube coral: “Se você cair, talvez eu não consiga te segurar, mas com certeza estarei a teu lado para te levantar”.
A hora chegou, então, e essa equipe que fez bonito no Rio de Janeiro, anunciando para o Brasil seus candidatos a ídolo, como Brasão, Léo, Elvis, Tutti etc. etc., sabe que, na longa caminhada que tem pela frente, pode contar integralmente com esta torcida, imensa e apaixonada – aliás, “a mais apaixonada do Brasil”, conforme epíteto conferido em rede nacional por uma apresentadora de tv, após a exibição de uma matéria mostrando os torcedores na arquibancada, acompanhando as obras de reforma do estádio e renovação do gramado. Afinal, o Santa – o Santinha, como é carinhosamente chamado pela torcida – é simplesmente isso, “o clube querido da multidão”, como aclamou o nosso genial Capiba em sua canção.
Júlio Vila Nova
Do Recife, Capital do Frevo
Júlio é torcedor coral e colabora atualmente com o Blog do Santinha.
Foto: (cedida por) Blog do Santinha
Foto: (cedida por) Blog do Santinha
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